quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Nébula protossolar

Afastemo-nos progressivamente do Sol. Começamos por encontrar Mercúrio, com a sua densidade próxima do ferro nativo, sem atmosfera, de superfície pelada e esburacada por crateras como uma velha maçã ra­quítica, desértica.
Mais afastado da fogueira central, Vénus, cuja densidade é vizinha da da nossa Terra, rodeado por uma atmosfera espessa e tórrida mas composta sobretudo por gás carbónico e em que falta o composto es­sencial da nossa Terra, a água, e, portanto, o hidrogénio que ela con­tém.
Continuando a afastar-nos, a Terra, planeta rochoso rodeado por uma atmosfera ténue, mas coberto pela amplo reservatório de água que são os oceanos.
Mais longe, Marte, cuja composição é sempre a de um planeta rocho­so, mas cuja densidade média é inferior à da nossa Terra, rodeado por uma atmosfera vaporosa, sobretudo carbónica.
A seguir, um grande intervalo de espaço livre. Entre Marte e Júpiter, uma zona onde não existe um verdadeiro planeta, antes uma miríade de objectos de pedra chamados asteróides. Esta distribuição de objectos ro­chosos de tamanhos variáveis, que vão desde pequenas luas até calhaus grandes como punhos, a girar em redor do Sol, foi chamada, por analo­gia, «cintura de asteróides».
Afastando-nos ainda mais do Sol, quando se atingem as cinco uni­dades astronómicas, isto é, cinco vezes a distância Terra-Sol, surge Jú­piter, o maior dos planetas, o mais majestoso.
Saímos do domínio dos planetas telúricos, ou planetas internos, onde domina a rocha dura e cuja atmosfera é apenas um invólucro leve. Com Júpiter, estamos perante um objecto muito diferente. Embora talvez exis­ta, o coração de pedra está solidamente enterrado no centro; a composi­ção externa é muito diferente: dominam aí, sob a forma de gelo, hélio, amoníaco, metano e hidrogénio. A girar em redor desta enorme massa de rocha, de gelo e de gás, anéis feitos de detritos e de poeiras, depois, mais longe, satélites, espécie de mini-planetas, numerosos, regularmente espaçados, constituindo um outro sistema solar em tamanho reduzido. A densidade desta planeta é fraca, os seus constituintes são semelhantes aos do Sol.
Afastando-nos para ainda mais longe, encontramos Saturno, cujos anéis foram descobertos há já muito tempo, depois Urano, Neptuno e Plu­tão. Todos estes planetas já foram hoje abordados por sondas espaciais. Todos se assemelham a Júpiter, mas são menos maciços. Todos são pro­vidos de anéis e de satélites. Todos são de composição química «leve», formados por elementos que, à temperatura e pressão normais, são gaso­sos. Conhecemos por alto a composição química dos satélites gelados, como Encélades ou Mimas, ou sulfurosos, como Io, ou complexos e ri­cos em petróleo como Tritão...
Para compreendermos este zonamento químico, façamos o seguinte exercício teórico. Consideremos um gás de composição solar e arrefeça­mo-lo. A cada patamar de temperatura, podemos calcular, com a ajuda de fórmulas simples, quais são as componentes químicas que se con­densam, se formam no estado sólido. Obtemos assim uma sequência temperatura após temperatura, composto após composto.

Que nos diz este exercício teórico?



A 1700 graus Kelvin, os primeiros compostos a condensar-se no es­tado sólido são óxidos de alumínio e de titânio. Estes tipos de óxidos são bem conhecidos na indústria, onde se utilizam para revestimento de for­nos ou para proteger os produtos fabricados a alta temperatura. São uma espécie de cerâmicas.
Baixemos a temperatura do gás. A 1500 graus Kelvin, condensa-se o ferro nativo, o ferro metálico, que bem conhecemos. Combinado com um pouco de níquel, é, no entanto, relativamente puro. Surpreendente? Não, se nos lembrarmos de dois dados importantes: primeiro, o ferro é um dos elementos mais abundantes no universo; segundo, estamos numa atmos­fera redutora rica em hidrogénio. O ferro não pode portanto ligar-se ao oxigénio e dar óxidos, como à superfície da Terra.
Baixemos mais a temperatura. Aparecem então os minerais silicata-dos, os que encontramos com maior frequência nas nossas rochas terres­tres: olivina, piroxeno e feldspatos.
Os elementos mais abundantes, como o hidrogénio, o hélio, o carbo­no, o azoto, permanecem no estado gasoso.
Se continuarmos a baixar a temperatura, vão aparecer dois tipos de compostos: os que contêm enxofre, os que contêm água. São os sulfuretos de ferro e os minerais que se classificam na família das argilas, que são, na Terra, característicos da superfície. Nesta sequência, são por certo o resultado da reacção da água gasosa com os silicatos sóli­dos.
Baixemos ainda mais a temperatura. Atingimos os O centígrados. Ninguém estranha que, a esta temperatura, a água se condense em gelo.
Ultrapassemos, para baixo, este zero que não é absoluto. Vemos apa­recerem no «condensado», primeiro o amoníaco, a seguir o metano, de­pois o hélio e o hidrogénio. Todos no estado sólido.
A partir daí, pode construir-se uma hipótese interessante.
Imaginemo-nos no primeiro «arrabalde» do Sol no momento em que o gás protossolar se condensa. A proximidade do Sol confere ao disco uma temperatura alta. Só os óxidos de alumínio, o ferro nativo e alguns silicatos se condensam. A sua aglomeração dá origem a Mercúrio, um planeta «pesado», denso, mais precisamente, rico em ferro, sem atmos­fera.
Afastando-nos do Sol, a temperatura ambiente baixa. Aos produtos precedentes juntam-se silicatos em abundância. Por acreção, estes mate­riais darão origem ao planeta Vénus. Um pormenor mais, todavia: ao aglomerar-se, estes primeiros sólidos aprisionaram um pouco de gás da atmosfera primitiva, gás carbónico e azoto. O aquecimento produzido pela compactação do planeta libertá-los-á ulteriormente. Fica explicada a atmosfera venusiana.
A descrição será mais ou menos a mesma para a Terra, apenas com mais um pormenor: a água. Sendo a temperatura ainda mais baixa, puderam condensar-se minerais portadores de água que depois, com os outros materiais, se aglomeraram dando origem ao nosso planeta favo­rito. Quando a água, juntamente com os outros gases aprisionados, é expulsa para a superfície, pode formar-se o oceano.
Para Marte, o percurso continua a ser o mesmo, à parte o facto de a argila e o enxofre serem mais abundantes e, portanto, menor a densidade do sólido.
Depois de transpormos a cintura de asteróides, atingimos, afastan­do-nos cada vez mais do Sol, uma zona onde, mesmo na época da condensação, reinava uma temperatura fria. Todos os compostos quími­cos se condensaram ou quase: ferro nativo, silicato, argila, mas também água, amoníaco, metano, hélio. Estamos perante planetas distantes cuja composição vai corresponder aos compostos mais frios da sequência de condensação. Como tudo se condensa, não há variações de composição entre os planetas gigantes, seja qual for o seu tamanho.
Como vemos, o modelo da nebulosa protossolar explica bem o zona-mento químico dos planetas. A um zonamento térmico do disco protos­solar correspondeu um zonamento químico que declina um após outro os termos da sequência de condensação do gás protossolar em compostos sólidos.

Fonte : Claude Allègre


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