segunda-feira, 18 de outubro de 2010

A dinâmica da Terra

A Terra é constituída por uma série de envolventes aproximadamente concêntricas, a mais externa das quais, se designa por litosfera. Segundo os paradigmas da tectónica de placas litosféricas e da deriva dos continentes, a litosfera é constituída por uma série de placas de contornos irregulares, geralmente muito mais vastas em comprimento e largura do que em espessura. Porque a Terra possui internamente fontes de calor (remanescente e de decaimento radioactivo) cujo gradiente é suficientemente forte para impedir a coalescência contínua e estável entre as placas litosféricas, estas movem-se de modo a poder acomodar a libertação do calor interno da Terra, por via de fusão do manto sub-litosférico, acrescendo novo material litosférico nas zonas de ruptura e fusão.

Este processo obriga a que as placas se fracturem e se afastem para que o novo material ascenda. A litosfera acrescida é de natureza peridotita e basáltica, mais densa do que a litosfera dos continentes, por isso com menor flutuabilidade sobre a astenosfera, o que faz com que a nova litosfera criada gere zonas altimétricamente deprimidas, sobre as quais se encontram os oceanos, por isso designando-se litosfera oceânica. As zonas de acreção litosférica provocam o afastamento das placas e possuem relevo submarino positivo por serem menos densas que a restante litosfera oceânica que, à medida que se afasta, arrefece, aumentando de densidade, espessando-se e, consequentemente afundando-se mais na astenosfera.

Estes limites designam-se divergentes, porque as placas se afastam mutuamente e construtivos porque é criada nova litosfera (ex.: as dorsais ou cristas médias oceânicas).
As zonas de transição da litosfera oceânica para litosfera continental (TCO, transição continente-oceano) estabeleceram-se onde se geraram as zonas de ruptura continental aquando da fracturação dos continentes(ex.: Pangea no fim do Paleozóico). Estas zonas já não constituem limites litosféricos activos, fazendo parte das margens continentais tectonicamente inactivas, normalmente designadas por margens passivas (ex.: a margem oeste ibérica e a equivalente norte-americana).

De modo a manter a volumetria do esferoide terrestre, as zonas de alastramento ou construtivas têm que ser compensadas por zonas de encurtamento ou destrutivas.
Estas podem ser de vários tipos, consoante os tipos de litosfera que se aproximam relativamente. Para uma zona destrutiva acomodar destruição à escala do tempo geológico (i.e. dos ciclos de Wilson) e com uma taxa apreciável (i.e. de modo a poder significativamente compensar o alastramento das dorsais oceânicas), o mecanismo consiste na destruição ou consumo da listosfera oceânica criada em zonas, ao longo das quais a estas placas retornam ao manto astenosférico e sub-astenosférico, as zonas de subducção. Estas subductam a litosfera oceânica sob litosfera continental ou também sob litosfera oceânica. As zonas de colisão intra-continental devido à flutuabilidade dos continentes e ao sobre-espessamento da listosfera continental durante a colisão orogénica, não geram zonas de subducção com taxas de consumo e tempos de vida comparáveis às anteriores (ex.: colisão do Himalaias).
As zonas de contacto entre placas litosféricas em que não existe acreção nem destruição significativas designam-se conservativas e o movimento relativo entre as mesmas é essencialmente paralelo e em sentido contrário, gerando assim longuíssimas zonas de falhas de desligamento (Zona de Fractura Açores-Gibraltar, Falha de Santo André). Consoante a deformação desligante tenha associada uma componente de encurtamento ou de distensão, o regime tectónico designa-se por transpressivo ou transtensivo, respectivamente. A passagem entre o regime tectónico transtensivo para transpressivo, observa-se actualmente no limite ocidental entre as placas África e Eurásia, ao longo da Zona de Fractura Açores-Gibraltar (ZFAG).
XXV - Curso de Actualização de Professores de Geociências - Universidade de Évora

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

A Terra, é um planeta em mudança

No século XIX a controvérsia entre catastrofismo e uniformismo atinge um ponto alto. Cuvier (1769-1832) baseia o seu catastrofismo nas mudanças do registo fossilífero que indicam extinções curtas e violentas. O uniformismo (dos autores de lingua inglesa) ou actualismo defende que os processos que actuaram durante a história da Terra são os mesmos que os processos actuais.


Na variante designada por uniformismo substantivo admite-se que a taxa de actividade dos processos possa ter variado no tempo, mas não a sua natureza. O principal defensor é Lyell nos “Princípios da Geologia” (1830). Assim o passado é explicável pelo presente.
A base do uniformismo resulta da aplicação ao passado da observação dos processos em acção; entre estes são os referentes à dinâmica externa os mais fáceis de observar e de quantificar. Assim a observação de que os rios transportam carga sólida permite atribuir à erosão fluvial a geração dos vales; e a quantificação permite estimar a taxa de actuação destes processos.
Assim enquanto Lyell estimava uma idade mínima para a Terra de 300 Milhões de anos, com base na velocidade da sedimentação e na espessura de sedimentos acumulados desde os tempos mais primitivos, Kelvin (1852), com base no cálculo do arrefecimento do Sol, defendia que o Sistema Solar não devia ter mais de 21 Milhões de anos.
O uniformismo foi-se impondo ao longo dos séculos XIX e XX. Lyell teve mesmo uma influência decisiva na elaboração da teoria da evolução por Darwin.
Em 1896 Becquerel descobria a radioactividade; em 1904 Rutherford explicava o calor interno da Terra pela sua origem na radioactividade; em 1937 Holmes iniciava a datação da Terra através dos estudos dos isótopos radioactivos. Esta fonte de calor, insuspeitada por Kelvin, provava que a Terra era muito mais antiga, mesmo do que suponha Lyell.
Sabe-se hoje que o Sistema Solar terá cerca de 4 600 Milhões de anos.
Se o catastrofismo não se impõe ao uniformismo no século XVIII mas renasce, como neo-catastrofismo, no fim do século XX é porque a nossa visão cientifica do mundo se alterou radicalmente entretanto. Assim a Física foi descobrindo as novas dimensões do espaço-entre os quarks e o Cosmos ou seja entre os 10-16 metros e os 1025 metros- e do tempo-o Big-Bang ocorreu há 10 a 15 mil milhões de anos. Há certas grandezas que possuem um tamanho característico entre limites bem definidos com uma pequena margem de variação; obedecem geralmente a uma distribuição estatística gaussiana. Por exemplo toda a espécie humana tem altura entre cerca de 2,5 m e 1 m. E não existem homens do tamanho das baleias nem das moscas.
Mas descobriram-se também outras grandezas que não têm tamanho característico mas podem variar entre longos limites, por vezes dezenas ou centenas de ordens de grandeza. O exemplo clássico é o da distribuição da riqueza: entre as maiores fortunas do Planeta e aqueles que nada têm, a variação é da ordem de 10000000000, ou seja 10 ordens de grandeza.
Alguns exemplos em Ciências da Terra são a energia dos impactos de meteoritos, dos sismos, o tamanho das cheias. A distribuição destas grandezas é do tipo lei de potência ou distribuições fractais. São representadas em diagramas do logaritmo da sua frequência em função do logaritmo da sua dimensão, que conduzem a um gráfico linear. Estima-se por exemplo que um impacto de asteróide com 100m de diâmetro ocorrerá de 1000 em 1000 anos; o de um asteróide com 10 Km será da ordem de 100 Milhões de anos, mas todos os dias caem poeiras meteoríticas com dimensões milimétricas sobre a Terra.

Adaptado de "As Ciências da Natureza - Geologia no Séc. XVIII. António Ribeiro"

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

A medida do tempo em geologia

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Relógios geológicos



Tal como todos os relógios radioactivos utilizados pelos geólogos, o de potássio/árgon funciona apenas com as chamadas rochas ígneas. Assim designadas pela palavra latina para fogo, as rochas ígneas for­mam-se a partir de rocha fundida - magma subterrâneo no caso do granito, lava dos vulcões no caso do basalto.

Quando a rocha fundida soli­difica para formar granito ou basalto, fá-lo sob a forma de cristais. Nor­malmente, estes não são cristais grandes e transparentes como os do quartzo, mas demasiado pequenos para se parecerem com cristais a olho nu.

Os cristais são de vários tipos, e alguns deles, como as micas, con­têm átomos de potássio. Entre estes encontram-se átomos do isótopo radioactivo potássio 40. Quando um cristal se forma, no instante em que a rocha fundida solidifica, existe potássio 40 mas não há árgon. O reló­gio é «calibrado» no sentido em que não há átomos de árgon no cristal.


À medida que os milhões de anos passam, o potássio 40 decai lenta­mente e, um a um, os átomos de árgon 40 substituem os de potássio 40 no cristal. A quantidade de árgon 40 acumulada é uma medida do tempo decorrido desde a formação da rocha. Porém, pela razão que aca­bei de expor, esta quantidade é significativa apenas se for expressa como o rácio de potássio 40 e árgon 40. Quando o relógio foi calibrado, o rácio era 100 por cento a favor do potássio 40.


Decorridos 1,26 mil milhões de anos, o rácio será 50-50. Ao fim de mais 1,26 mil milhões de anos, metade do potássio 40 remanescente terá sido convertido em árgon 40, e assim por diante. As proporções intermédias equivalem a momentos intermédios desde que o relógio de cristal foi calibrado. Por isso, os geó­logos, através da medição do rácio entre potássio 40 e árgon 40 num fragmento de rocha ígnea, podem dizer-lhes há quanto tempo a rocha se cristalizou a partir do material fundido.

As rochas ígneas costumam conter muitos isótopos radioactivos diferentes, e não apenas potássio 40. A solidificação das rochas ígneas dá-se bruscamente, o que tem uma consequência feliz: todos os relógios de um dado fragmento de rocha são calibrados em simultâneo.
Apenas as rochas ígneas proporcionam bons relógios radioactivos, mas quase nunca encontramos fósseis em rocha ígnea.
Os fósseis for­mam-se em rochas sedimentares como calcário ou arenito, que não são lava solidificada mas sim camadas de lama, silte ou areia, gradualmente depositadas no leito de um oceano, lago ou estuário. A areia ou lama fica compactada ao longo dos tempos e endurece formando rocha. Os cadáveres aprisionados na lama têm grandes probabilidades de fossili­zar. Mesmo que apenas uma pequena proporção de cadáveres fossilize de facto, as rochas sedimentares são as únicas que contêm fósseis dig­nos de menção.
Infelizmente, as rochas sedimentares não podem ser datadas me­diante a radioactividade. É provável que as partículas individuais de silte ou areia que irão constituir as rochas sedimentares contenham potássio 40 e outros isótopos radioactivos, e portanto pode dizer-se que contêm relógios radioactivos; porém, estes relógios não nos servem porque não estão calibrados correctamente, ou estão-no em momentos diferentes uns dos outros. As partículas de areia compactadas para formar arenito podem ter resultado da pulverização de rochas ígneas, mas estas solidi­ficaram em momentos diferentes.
Cada um dos grãos de areia tem um relógio calibrado por uma data distinta, a qual remonta provavelmente a muito antes de a rocha sedimentar se formar e amortalhar o fóssil que tentamos datar. Assim, em matéria de cronometragem, a rocha sedimen­tar é uma confusão. Não serve. O melhor que podemos fazer - e é um «melhor» muito bom - é utilizar as datas das rochas ígneas que se encontram perto de rocha sedimentar, ou incrustadas nela.
Fonte : Richard Dawkins - "O espectáculo da vida".